AULA 6 - ESCOLARIZAÇÃO DE ESTUDANTES COM AH/SD

Existem diversas formas de atendimento aos estudantes com altas habilidades/superdotação no contexto escolar, dentre as principais, podemos destacar o enriquecimento curricular e a aceleração dos estudos. Nesta aula, abordaremos, de modo mais detalhado, essas estratégias de intervenção. Vamos juntos?


6.1 Introdução

A aceleração de estudos possibilita ao estudante completar as etapas do ensino em tempo mais curto. No entanto, esse processo pode se tornar prejudicial aos que se destacam na área acadêmica, mas não apresentam desenvolvimento emocional compatível com seu desenvolvimento intelectual. Esta estratégia costuma ser muito eficaz num primeiro momento, pois é uma resposta imediata às necessidades do estudante, que passa a se sentir motivado novamente. No entanto, cabe ressaltar que essa pode não ser uma alternativa definitiva, pois, em alguns casos, esses estudantes ainda precisarão do enriquecimento curricular em determinadas disciplinas.

É importante observar se no seu Estado ou município há uma legislação específica que normatize a aceleração de estudos, orientando sobre os procedimentos a serem adotados. No Estado de São Paulo, a lei que dispõe sobre esse atendimento é a Resolução SE 81/2012.

Leia o artigo Atenção Educacional a Estudantes com Altas Habilidades/ Superdotação: Acelerar é a Melhor Alternativa?, sde autoria de Bárbara Amaral Martin e Ketilin Mayra Pedro, e reflita a respeito do assunto.




6.2 Enriquecimento Curricular

Outra forma de atendimento educacional é o enriquecimento curricular, que tem como objetivo principal “cultivar talentos, promover interesses, desafiar potenciais e despertar a criatividade do superdotado” (LANDAU, 2002 p. 29), oferecendo, por meio de um ambiente seguro, que fortaleça seu ego, a estabilidade necessária para que possa revelar seus potenciais e desenvolver suas habilidades.

O enriquecimento curricular oportuniza a exposição do estudante a vários tópicos, áreas de interesse e campos de estudo para aplicação de conhecimentos e conteúdos avançados, treinamento de habilidades e no uso de metodologias para o crescimento nas áreas de interesse. (RENZULLI; REIS, 1997).

Na sala comum, o educador pode adotar as seguintes estratégias:

  • Compactação do currículo regular: para que o estudante conclua em menor tempo o que está sendo ensinado a todos e possa aprofundar seus conhecimentos por meio de atividades diferenciadas.
  • Grupos de Enriquecimento: grupos de estudantes que partilham interesses comuns e que se reúnem durante períodos, especialmente designados para trabalhar com um adulto que compartilha seus interesses e que tem algum grau de conhecimento avançado e experiência na área.

Dentro da perspectiva inclusiva, o currículo escolar precisa ser flexível a ponto de atender à toda diversidade de estudantes existentes na classe, dessa forma, o educador pode modificar o currículo visando a:

  • Ajustar os níveis de aprendizagem necessária para que todos os estudantes sejam desafiados.
  • Aumentar o número de experiências em profundidade de aprendizagem.
  • Introduzir vários tipos de enriquecimento em experiências curriculares regulares.

Esse curso objetiva orientar, principalmente, o educador da classe comum para que ele possa aprender a elaborar uma proposta de enriquecimento curricular voltada ao atendimento de seus estudantes. Para isso, utilizaremos o referencial teórico de Joseph Renzulli, que elaborou o Modelo da Tríade do Enriquecimento, ilustrado na Figura 6.1.

Imagem Responsiva

Figura 6.1 – Modelo da Tríade do Enriquecimento
Fonte: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/inclusao-de-alunos


Esse modelo, desenvolvido pelo Dr. Joseph Renzulli a partir de dados empíricos coletados desde os anos 1970, é um dos mais bem-sucedidos no exterior e foi desenvolvido para ser aplicado tanto na sala de recursos quando na sala comum.

Nesse processo, o estudante participa ativamente da definição dos objetivos, metas e propósito, e o educador atua como um mediador da aprendizagem, orientando-o sobre os caminhos a seguir em busca do conhecimento, a partir de um processo investigativo.

É um modelo muito inclusivo, por permitir a participação de todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiência, principalmente nas atividades de Tipo I. As atividades de Tipo II e III acabam se voltando mais para os superdotados, pois requerem um aprofundamento maior e podem ser desenvolvidas individualmente ou em grupo.

  • Enriquecimento Tipo I - Corresponde às atividades exploratórias, ou seja, o indivíduo é exposto a uma série de experiências e atividades para que se possa descobrir seus interesses e programar as atividades do tipo II, necessárias para alcançar as de tipo III (RENZULLI; REIS, 1997). Caracteriza-se pela seguinte questão: O que aprender? Exemplos desse tipo de atividade: assistir a palestras, participar de excursões, visitas, assistir a filmes e documentários.
  • Enriquecimento Tipo II - Nesse tipo de enriquecimento, são oferecidos a todos os estudantes métodos e materiais que visem à promoção de pensamentos e sentimentos que irão preparar os estudantes para as atividades de tipo III. Aqui são trabalhadas habilidades de como fazer determinadas coisas (RENZULLI; REIS, 1997). Caracteriza-se pela seguinte questão: Como aprender? Nessa etapa, o estudante precisa aprender a dominar as ferramentas que lhe serão úteis para o desenvolvimento das atividades de Tipo II.
  • Enriquecimento Tipo III - É composto por atividades que permitam ao indivíduo a investigação que os leve a atuar como profissionais dentro do assunto pesquisado (RENZULLI; REIS, 1997). Caracteriza-se pela seguinte questão: Para que aprender?

Ao final das três etapas, o estudante deverá apresentar um produto concreto, que precisa ser compartilhado com os demais. Esse espaço de troca é fundamental para que o estudante possa mostrar o que aprendeu.


6.2.1 Exemplo de Enriquecimento Curricular a partir da Teoria de Renzulli

Felipe é um estudante de 9 anos, que cursa o 3º ano do fundamental. Ele é apaixonado por Geografia. Nas aulas, sempre se mostra participativo e carrega na mochila atlas, mapas e livros relacionados ao tema de seu interesse. Após uma profunda investigação, a escola reconheceu que ele possui altas habilidades ou superdotação e iniciou um projeto de enriquecimento curricular com ele.

Utilizaram a ficha O que Quero Saber para construir essa proposta, com a participação do próprio estudante e de sua mãe, que se surpreendeu quando a escola lhe comunicou sobre as habilidades do filho, mas reconheceu que, desde pequeno, ele parecia ser mais curioso que os demais.

A escola ofereceu as seguintes atividades:

  1. Levantou com o estudante seus interesses.
  2. Convidou o estudante a participar de uma excursão com os colegas do 9º ano até a nascente do rio Tietê, em uma cidade do interior de São Paulo. Após a autorização da mãe, Felipe partiu com os colegas, sob a supervisão da educadora de geografia. (Atividade de Tipo I).
  3. Ao retornarem da excursão, a educadora propôs um concurso de redação para todos os estudantes e informou que o prêmio seria uma excursão para um parque. Os estudantes se mobilizaram para participar, inclusive Felipe, que passou a pesquisar mais informações para enriquecer sua redação. (Atividade de Tipo II).
  4. Ao final do projeto, todos os estudantes puderam apresentar suas redações e, para surpresa de alguns, a redação de Felipe foi escolhida como uma das melhores.

Com certeza você deve estar pensando que, em algum momento, já realizou atividades desse tipo e, de fato, nossas escolas oferecem muitas oportunidades para que os estudantes tenham uma ampliação da visão de mundo (Atividade de Tipo I) por meio de passeios, excursões etc. A partir de agora, comece a observar o quão ricas podem ser essas oportunidades para aqueles estudantes extremamente curiosos e motivados e, dentro do possível, propicie espaços para que ele possa aprofundar seus conhecimentos por meio do desenvolvimento de Atividades do Tipo II e III.

Para orientar a elaboração do projeto, utilize a ficha O que quero saber e para mapear os interesses dos estudantes, você pode utilizar as fichas contidas nos Anexos do Capítulo 3: Modelo de Enriquecimento Escolar do livro “A construção de Práticas Educacionais para Estudantes com Altas Habilidades/Superdotação”.


6.2.2 Portfólio do Talento Total

Todas as atividades realizadas precisam ser registradas e irão compor o Portfólio do Talento Total, que deve ser desenvolvido para identificar e maximizar o potencial de cada estudante. Trata-se de um processo sistemático por meio do qual inventários de interesse, estilo de aprendizagem e de expressão e produtos elaborados pelo estudante são coletados, ajudando, tanto estudante quanto educador, a tomar decisões a respeito de seu trabalho.

Cabe destacar que o portfólio tem como metas:

  1. Coletar e registrar informações sobre habilidades, pontos fortes, características, atividades escolares ou extraescolares realizadas pelo estudante.
  2. Organizar dados do estudante referentes ao estilo de aprendizagem, preferências por áreas do conhecimento, habilidades sociais e pessoais, interesses, necessidades específicas e desafios pessoais a serem superados.
  3. Fornecer subsídios para a elaboração de planejamentos educacionais e o estabelecimento de condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento da aprendizagem do estudante.
  4. Destacar estilos de expressão e de pensamento dos estudantes.

O foco do portfólio é ampliar a capacidade da escola de ajudar o estudante a se tornar competente e autodirecionado, bem como incrementar o seu desempenho acadêmico. Renzulli (2001) propõe que o portfólio seja feito de forma colaborativa na qual estudantes, familiares e educadores participam. O educador, de posse das informações contidas no portfólio do estudante, pode guiá-lo delimitando algumas áreas de estudo ou enfocando um tema específico. Algumas atividades ou tópicos podem ser explorados individualmente ou em pequenos grupos.


6.2.3 Portfólio do Talento Total

A seguir, listamos alguns dos principais benefícios do portfólio:

  1. Destaca os pontos fortes do estudante.
  2. Apresenta evidência física dos talentos e habilidades do estudante.
  3. É um veículo de comunicação entre escola e famíli
  4. a.
  5. Permite que educadores, pais e estudantes reflitam regularmente acerca das informações coletadas, de novas habilidades desenvolvidas e interesses despertados.
  6. Permite a atualização periódica dos dados apresentados.
  7. Possibilita a utilização das informações contidas no portfólio para o autoconhecimento do estudante ou seu aconselhamento educacional, pessoal e social.
  8. Serve de guia para o desenvolvimento das ações a serem encorajadas em sala de aula.
  9. Possibilita a reunião de estudantes com os mesmos interesses.

Com base em suas práticas relacionadas ao trabalho com portfólios, quais outros benefícios acrescentaria na lista anterior?



Exemplos de itens que podem ser incluídos no portfólio são: fotografias de invenções, produtos ou projetos, fotocópias de prêmios recebidos ou reportagens sobre trabalhos do estudante, cópia de música, redação, livros, receitas, desenhos e programas de computador elaborados pelo estudante, jornal preparado pelo estudante, vídeos de performances do estudante (peças de teatro, concerto, por exemplo) etc.

Alguns aspectos são fundamentais e precisam ser considerados pelo educador:

  • Todas as necessidades têm como base o interesse do estudante.
  • Mapear as habilidades do estudante para ver os suportes necessários.
  • Definir as aplicações que o estudante fará com o conhecimento adquirido.
  • Focar no desenvolvimento do protagonismo.
  • Definir objetivos; metas e propósitos em conjunto com o estudante.
  • Levar em conta o que há na escola (espaços, educadores e demais recursos disponíveis)

Esses estudantes têm muito a contribuir para a construção do conhecimento que o grupo compartilhará. Ele pode ser um auxiliar do educador, um tutor da turma, o importante é que ele seja constantemente desafiado, para não perder o interesse em ir para a escola.

Lances inocentes - Um filme de 1993, que mostra a habilidade extraordinária de um garoto pelo xadrez. Neste filme, podemos refletir sobre o desabrochar de um talento a partir das oportunidades criadas pela mãe do garoto.

O menino que descobriu o vento - Neste filme, de 2019, é contada a história real de William Kamkwamba, um garoto de 13 anos que elabora uma maneira de criar energia eólica nas terras secas onde vive, a fim de possibilitar a irrigação e alimentar a população em situação de miséria. O filme nos faz refletir sobre a importância da educação e do conhecimento no processo de transformação de realidades, unidos a um pensamento criativo e inovador. Além disso, o filme nos permite pensar em fatores como motivação, amor, senso de comunidade e a elaboração de políticas ecológicas e humanitárias.


Nesta aula, você teve oportunidade de compreender como se dá a aceleração de estudos e o enriquecimento curricular. Estas são as duas estratégias para o atendimento de estudantes com AH/SD previstas na legislação brasileira. Vale ressaltar que as ações devem estar previstas em um Plano Individualizado de Ensino, que será apresentado na próxima aula. Até lá!