AULA 2 - CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E INSTRUMENTOS DE RASTREIO

Olá, seja muito bem-vinda(o) à nossa segunda aula! Nesta aula, vamos conversar sobre um dos principais aspectos dos Transtornos do Espectro Autista (TEA), o Diagnóstico. Discutiremos a importância do Diagnóstico Precoce, bem como, de que maneira é possível detectar alterações nos comportamentos comunicativos e sociais que nos levem a suspeitar de algum transtorno do neuro desenvolvimento. Vamos juntos?!


2.1 Considerações Iniciais sobre o Diagnóstico

Quando pensamos em Diagnóstico, logo nos vem à mente um conjunto de sinais e sintomas que vão caracterizar uma determinada condição. O diagnóstico de um problema cardíaco, por exemplo, acontece por meio da investigação clínica, exames de laboratório e de imagens, em que, ao analisar cada um desses dados, chega à conclusão da existência ou não de uma alteração no coração.

No Autismo não é diferente, há de se realizar uma boa “investigação” de sinais e sintomas, para que se possa fechar o Diagnóstico. Mas, nesse caso, há uma diferença importante. No TEA, não existem exames de laboratórios ou de imagens que nos digam se aquele indivíduo é ou não autista.

Então como é feito o Diagnóstico?! Esse diagnóstico é feito por meio da investigação clínica de sinais e sintomas. Durante muitos anos, pesquisadores da área foram catalogando quais eram as características que mais apareciam nos Transtornos do Espectro Autista e conseguiram organizar tudo em um “manual”.

Nesse manual também estão sinais e sintomas de outros transtornos mentais e é frequentemente utilizado por profissionais da área da saúde, que buscam, após suas avaliações, enquadrar ou não, seu paciente em um desses transtornos.

Você sabe como é conhecido esse Manual?!


DSM – 5 – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais


Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição ou DSM-5 é um manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais. Foi elaborado em 1952, embasado em pesquisas, esse manual é atualizado a cada 10 – 15 anos (DSM-5, 2014)



Além desse Manual, temos também a CID (Classificação Internacional de Doenças), que está em sua 10ª edição (a 11ª edição já foi apresentada para adoção dos Estados Membros em maio de 2019 e entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022). Este importante manual/sistema de classificação não analisa apenas transtornos mentais, mas também o conjunto de todas as doenças, distúrbios e alterações existentes.

É importante saber que, até a 10ª versão da CID, havia diferenças consideráveis nas nomenclaturas utilizadas quando se tratava de Autismo.

Observe, na Tabela 1.1 as principais diferenças entre o CID-10 e o DSM-5:

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Tabela 1.1 Comparativo entre o CID-10 e o DSM-5


Assista ao vídeo “Autismo - O que é a Sigla F84?”, em que a Psicóloga Mayra Gaiato fala sobre a importância do Código Internacional de Doenças (CID-10) e a razão pela qual ele é utilizado, não só para o Diagnóstico do Autismo, mas também para garantir direitos legais à pessoa com autismo.




2.2 DSM-5: Critérios Diagnósticos

Atualmente, consideramos a díade “déficit na comunicação social” e “comportamentos restritos e repetitivos” como situações base para o diagnóstico de TEA. Realizar um diagnóstico de qualidade requer habilidade dos profissionais envolvidos, uma vez que a conclusão do transtorno é realizada a partir de aspectos clínicos observados. Na Figura 2.1, apresentamos alguns aspetos que requerem atenção para que haja uma conclusão assertiva quanto ao TEA:


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Figura 2.1 – Aspectos que requerem atenção para conclusão assertiva quanto ao TEA


A seguir, apresentaremos, de maneira mais detalhada, tais condições (DSM-5, 2014):

a) Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente, ou por história prévia; Déficits na reciprocidade socioemocional, Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos.



Quando falamos de DÉFICITS NA COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL, estamos nos referindo aquelas pessoas que apresentam dificuldade em fazer pedidos, expressar suas opiniões e/ou manter uma conversa. Geralmente, quando temos uma criança com tais dificuldades, ela quase não interage com outras crianças, tenta obter brinquedos ou qualquer outro item de seu interesse, escalando móveis e quando isso não é possível, usa o adulto como meio de conseguir o que deseja (não pega pela mão e sim pega a mão do adulto levando/empurrando na direção do que quer).



b) Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por, pelo menos, dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos, insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal, interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco, hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente.


Quando falamos sobre PADRÕES RESTRITOS E REPETITIVOS DE COMPORTAMENTO, estamos nos referindo àquelas pessoas que, na escola, por exemplo, preferem sempre a mesma atividade (massinha, pintura, quebra-cabeça, alfabeto, folhear livros) e quando são convidadas a mudar de atividade, se mostram excessivamente irritadas (choros excessivos podem acontecer). Também podem gostar de organizar brinquedos/objetos de uma maneira específica ou fazer um movimento com o corpo por repetidas vezes e sem uma função específica.



c) Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas, ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida.


Em relação aos SINTOMAS, o que podemos presenciar em alguns casos são pessoas que são caracterizadas como tímidas, introvertidas, com dificuldades em se encaixar socialmente, mas que na verdade, possam ter TEA. O contexto onde a criança se desenvolve pode facilitar ou mascarar um diagnóstico precoce. Atualmente, muitos adultos têm descoberto que toda a dificuldade que sentiam em se relacionar com as pessoas, na verdade era sintoma do transtorno do espectro autista não identificado.



d) Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.

e) Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.



Quando falamos sobre COMUNICAÇÃO SOCIAL ABAIXO DO ESPERADO, estamos falando daquelas crianças que, apesar de falarem várias palavras e até fazer pedidos de itens que desejam, não são capazes de narrar um fato que ocorreu, iniciar/manter um diálogo ou mesmo responder perguntas.




2.3 DSM-5: Especificadores

Além das situações base apresentadas, o diagnóstico do TEA também deve considerar o grau de severidade; assim, são definidos especificadores da gravidade dos sintomas, com o intuito de garantir um melhor acompanhamento das necessidades relacionadas à comunicação social e aos comportamentos repetitivos e restritos, de maneira distinta.

Ainda é importante destacar que a gravidade desses sintomas poderá variar conforme o contexto ou oscilar com o tempo. A seguir, na Tabela 2.2, são apresentados os níveis de severidade do TEA. Analise:

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Tabela 2.2 - Níveis de severidade do TEA

Fonte: Fga. Me. Camilla Guarnieri e Profª Drª Simone Herrera (material parte do Curso de Atualização “Intervenção Fonoaudiológica em Linguagem Infantil”, USP, 2017).


Assista ao vídeo “Níveis de gravidade e os principais sintomas do autismo” , no qual você poderá conhecer as características e os níveis de autismo discutidos até aqui. Compreender porque não utilizamos mais a nomenclatura Síndrome de Asperger e quais são os critérios para dividir o autismo nos 3 níveis.



Quantas informações sobre o TEA não é mesmo?

Perceba que, ao longo dos anos, os pesquisadores foram catalogando vários sinais e sintomas e, atualmente, o diagnóstico tem se tornado cada vez mais possível e muito mais precoce do que antes.

Com o que apresentamos até aqui, você conseguiria pensar em algum estudante que se enquadraria nos padrões de comunicação social e interesses restritos e repetitivos que caracterizam o TEA?

Construa uma lista com as iniciais do nome do estudante (em respeito à Lei Geral de Proteção de Dados), idade e principais características destes estudantes! Possivelmente, ao construir sua lista, você perceberá que alguns aspectos são mais difíceis de caracterizar do que outros. Isso é bom, sabia?!



O Diagnóstico do TEA é clínico, ou seja, não há exames laboratoriais que detectem se há ou não o transtorno naquele indivíduo. Assim, para se chegar a uma conclusão, é preciso um olhar atento dos profissionais, informações valiosas fornecidas por familiares e dos educadores, além de instrumentos de avaliação e de rastreio.

Assim, por ser clínico, o diagnóstico deve ser pensado na perspectiva das diferentes habilidades de comunicação e interação da criança. Por vezes, vemos crianças não sendo diagnosticadas precocemente, pois o atraso na fala não é visto como fator de risco. Em outros casos, chega-se a supor que a criança tenha uma dificuldade auditiva e por isso, não atende ao chamado dos pais. Ainda, vemos crianças que são caracterizadas como de personalidade difícil e birrentas.

Conhecer as características do TEA, dirigir um olhar atento à criança, considerar os traços de autismo que possam estar presentes e, principalmente, a intensidade desses traços, pode ser determinante neste processo.

Mas você precisa ir além! E dar o próximo passo aqui é conhecer os instrumentos de rastreio que existem atualmente e que auxiliam na identificação de sinais e sintomas do TEA.


2.4 Instrumentos de Rastreio para o Diagnóstico de TEA
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Os instrumentos para rastreamento têm por finalidade identificar os sinais precoces de risco do autismo, e não de diagnosticar o transtorno (IBAÑEZ et al., 2014). Geralmente, são utilizados quando a criança ainda é pequena e suas características de comunicação social ainda não se enquadram totalmente nos sinais e sintomas descritos no DSM-5.

Os instrumentos são classificados quanto ao formato (escala, checklist, questionário) e quanto ao nível (1 e 2), como mostra a Figura 2.2:

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Figura 2.2 – Níveis de classificação dos instrumentos
Fonte: Seize, M. M., & Borsa, J. C. (2017). Avaliação do autismo: do rastreamento ao diagnóstico. Em M. R. C. Lins & J. C. Borsa (Org.), Avaliação Psicológica: aspectos teóricos e práticos. Editora Vozes.


Agora, vamos conhecer alguns dos principais instrumentos que permitem identificar os sinais e sintomas do Autismo:

  • M-Chat (Modified Checklist for Autism in Toddlers): é um instrumento de rastreamento precoce de autismo, que visa identificar indícios desse transtorno em crianças entre 18 e 24 meses. Deve ser aplicado aos pais ou cuidadores da criança. Esse instrumento apresenta alta sensibilidade e especificidade para identificação dos sinais precoces de TEA (LOSAPIO; PONDÉ, 2008). Esse instrumento de rastreio está disponível nos materiais complementares.

  • Protea R (Protocolo de Avaliação Comportamental para Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista): um sistema de avaliação interdisciplinar, composto por 17 itens, que se destina a avaliar a qualidade e a frequência de comportamentos característicos do TEA (isto é, comprometimentos sociocomunicativos e presença de comportamentos repetitivos e estereotipados) em crianças pré escolares (em torno de 24 a 60 meses de idade) com suspeita do transtorno, especialmente aquelas não verbais (BOSA; ZANON; BACKES, 2016). Este teste não é de livre acesso, sendo necessário adquirir o material impresso para ser utilizado.

  • VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program) (SUNDBERG, 2007-2015; 2014): é um instrumento de avaliação e acompanhamento do desenvolvimento de repertórios para crianças com autismo e outros distúrbios do desenvolvimento. Contém cinco componentes:

    • avaliação dos marcos do desenvolvimento;
    • avaliação de barreiras;
    • avaliação de transições;
    • análise de tarefas e repertórios de suporte e adequação;
    • estabelecimento de objetivos de um programa de educação individualizada.

    Os marcos (repertórios) foram hierarquizados em três níveis, considerando os intervalos de idades nos quais é mais provável que as crianças desempenhem adequadamente tais repertórios: Nível 1 para os marcos que comumente são observados em crianças típicas de 0 a 18 meses; Nível 2 para os marcos geralmente observados em crianças de 18 a 30 meses; e Nível 3 para os marcos tipicamente observados em crianças de 30 a 48 meses. Este teste não é de livre acesso, sendo necessário adquirir o material impresso para ser utilizado.

Para conhecer todas as etapas deste instrumento e o processo de validação para a utilização no Brasil, acesse a Tese de Doutorado de Maria Carolina Correa Martone, “Tradução e Adaptação do Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (Vb-Mapp) para a Língua Portuguesa e a Efetividade do Treino de Habilidades Comportamentais para Qualificar Profissionais



  • CARS (Childhood Autism Rating Scale) (SCHOPLER, 1980; 1986): Trata-se de uma escala com 15 itens, elencados na Tabela 2.3:

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    Tabela 2.3 – CARS (Childhood Autism Rating Scale)


A partir dessa escala é possível distinguir entre o autismo e outros atrasos no desenvolvimento. A sua importância é baseada na capacidade de diferenciar o grau de comprometimento do autismo entre leve, moderado e severo. Sua aplicação é rápida e adequada a qualquer criança com mais de 2 anos de idade (SCHOPLER, REICHLER, RENNER, 1988).

Acesse a dissertação de mestrado, de Alessandra Marques Pereira, “Autismo Infantil: Tradução e Validação da CARS (Childhood Autism Rating Scale) para uso no Brasil”, para conhecê-lo com mais detalhes.



  • Escala Bayley (ou Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley) (BAYLEY, 2018): um instrumento administrado individualmente, que avalia o funcionamento do desenvolvimento de bebês e crianças pequenas, de 1 a 42 meses de idade. Consiste em identificar atrasos no desenvolvimento e auxiliar no planejamento de intervenções, por meio da avaliação de 5 domínios: cognitivo, linguístico, motor, socioemocional, comportamento adaptativo. Este teste não é de livre acesso, sendo necessário adquirir o material impresso para ser utilizado.

  • IPO (Inventário Portage Operacionalizado) (WILLIAMS; AIELLO, 2001): é composto por 580 comportamentos distribuídos em cinco áreas, separados por faixa etária de zero a seis anos e uma área específica para bebês de zero a quatro meses. No inventário são avaliadas as áreas de cognição, socialização, autocuidado, linguagem e desenvolvimento motor. Este instrumento de rastreio está disponível nos materiais complementares.

Para ampliar os conhecimentos sobre os instrumentos de avaliação e rastreio, assista ao vídeo “Quais são as escalas para avaliação dos transtornos do espectro autista?”, em que a Psicóloga Ana Carolina Schmidt de Oliveira fala sobre a avaliação do TEA por meio de escalas multidisciplinares e gratuitas.


Acesse os documentos sobre as escalas CARS e ATA para conhecê-las com mais profundidade. ATA - Escala de Traços Autísticos CARS - Childhood Autism Rating Scale



Tudo que Quero – filme de 2017 que conta a história de Wendy, uma jovem com autismo que mora em uma casa de acolhimento para jovens autistas, sendo acompanhada por sua tutora/psicóloga. Wendy consegue fugir de sua casa para concorrer com sua fanfic em uma competição de escrita sobre Star Trek. Para a personagem, a série Star Trek desperta a sensação de aceitação e conforto. Ao criar suas histórias, Wendy trabalha relações e emoções que não consegue lidar em seu dia a dia a partir da interação com os demais personagens. Nessa trama também são trabalhados temas como família, amor, amizade, além dos desafios da mulher na sociedade.

Vida, Animada – documentário de 2016, disponível na Netflix, que conta sobre a vida de Owen Suskind, um jovem autista de 23 anos, diagnosticado aos 3 anos de idade. Owen ficou sem falar por anos, e voltou a interagir com o mundo por conta das lições e falas presentes nos filmes animados da Disney, fazendo-o se aproximar novamente de sua família, lhe confortando no fim de


Nesta aula, você pôde conhecer um pouco mais sobre as características do Transtorno do Espectro Autista, seus níveis de acometimento, bem como os principais instrumentos utilizados atualmente para realizar o diagnóstico precoce. Além deste material, ficarão disponíveis alguns textos interessantes