AULA 1 - LEGISLAÇÃO, CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITO DAS AH/SD E DO TEA

Seja muito bem-vinda(o) ao curso! Hoje iniciamos um mergulho mais profundo nas temáticas das Altas Habilidades/Superdotação e do Transtorno do Espectro Autista. Nesta primeira aula, vamos conhecer os conceitos e aspectos legais relacionados aos temas que estamos estudando. Vamos mergulhar, juntos, nessas temáticas? Bom curso!


1.1 Introdução

Muitos educadores ficam apreensivos ou espantados ao se depararem com o tema das Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), no contexto da Educação Especial, por acreditarem que esses estudantes foram agraciados por Deus sendo capazes de aprender sozinhos e, portanto, não precisam de atenção especial na sala de aula.

No entanto, a verdade é que esses estudantes, por terem uma inteligência acima da média, e isso será mais bem explicado no decorrer desse curso, necessitam de suplementação do currículo, conforme preconiza a legislação federal brasileira, que será apresentada a seguir.

O Brasil possui uma legislação baseada em princípios inclusivos e enfatiza a necessidade de oferecer o suporte adequado a todos os estudantes que dele precisem para terem seu direito à educação de qualidade garantido. Assim, para que o estudante superdotado tenha esse direito, é preciso garantir a adoção de algumas medidas, tais como a identificação adequada, por meio de uma avaliação pedagógica e a oferta de aceleração de estudos e/ou enriquecimento curricular.

No decorrer do curso, vamos explicar melhor como a/o educador(a) pode realizar a avaliação pedagógica de um estudante com suspeita de AH/SD e, a partir disso, oferecer um atendimento diferenciado, que priorize seu desenvolvimento global.



1.2 Apanhado Geral das Legislações Brasileiras

Nesta primeira aula, apresentaremos um apanhado geral das legislações vigentes para atendimento aos estudantes com AH/SD:

ALei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 garante, em seu artigo 4º, inciso V, “acesso aos níveis mais elevados de ensino, de pesquisa e criação artística, segundo as capacidades de cada um” e menciona a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado (Art. 24, Inciso V).

A Resolução CNE/CEB Nº. 02/2001, define os educandos com necessidades educacionais como aqueles que “durante o processo educacional, apresentarem (...) altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (Art. 5º, inciso III)”.

O Parecer CNE/CEB 17/2001 define as “altas habilidades/superdotação, como grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar”.

A Resolução SE CNE/CEB 4/2009 - define no Art. 7º que esses estudantes terão as atividades de enriquecimento curricular desenvolvidas na escola pública em interface com os Núcleos de Atividades para Altas Habilidades/Superdotação e Instituições de Ensino Superior.

O Decreto 7.611/2011– garante a suplementação do currículo para os estudantes com altas habilidades ou superdotação.

A Lei 13.234/2015 - altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento, na educação básica e na educação superior, de estudantes com altas habilidades ou superdotação. Essa lei objetiva apontar os estudantes superdotados no Brasil para que possam ser definidas políticas públicas concretas de atendimento a essa população tão marginalizada nas escolas.



  1. Outro avanço importante no que concerne à inclusão diz respeito à publicação da Lei Brasileira de Inclusão, por meio da Lei Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Se você quiser saber mais a respeito, acesse a íntegra dessa legislação em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm

  2. No Estado de São Paulo, a Resolução SE nº. 81/2012 dispõe sobre o processo de aceleração de estudos para estudantes com altas habilidades ou superdotação na rede estadual de ensino e dá providências correlatas. Além de regulamentar a aceleração de estudos, essa lei tem a finalidade de normatizar o atendimento a esses estudantes, garantindo qualidade no ensino.

  3. Veja qual a legislação vigente sobre este tema em seu estado ou município para se manter atualizado(a)!


Com esse breve apanhado da legislação brasileira, o que se constata é que existe uma preocupação com a implementação de políticas públicas que propiciem uma escola de qualidade e o pleno desenvolvimento dos talentos do indivíduo com altas habilidades, mas ainda estamos longe de ter uma escola verdadeiramente inclusiva e acolhedora para esses estudantes, que ainda permanecem invisíveis e nos bancos escolares.



1.3 Breve Histórico do Atendimento a Estudantes com Altas Habilidades/ Superdotação no Brasil

A discussão sobre esse tema é relativamente recente e ganhou forma a partir da implantação dos Núcleos de Atividades para Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S), em 2005. Os NAAH/S foram criados pelo Ministério da Educação com o objetivo de oferecer suporte para pais, professores e estudantes com altas Habilidades/Superdotação. Os Estados foram convidados a aderir ao Programa e aqueles que aceitaram receberam verba e formação continuada para a implantação deste Núcleo, que deveria oferecer formação aos professores, orientação aos pais, avaliação e atendimento educacional especializado aos estudantes com tal perfil. A maioria destes Núcleos permanece em funcionamento.

Faça uma pesquise na internet para saber se em seu Estado há esse atendimento oferecido pelo NAAH/S e como ele funciona.


Historicamente, as Altas Habilidades/Superdotação eram explicadas pelo divino. Posteriormente, sua origem passou a ser considerada herança genética e, hoje, sua causa é atribuída a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, sendo profundamente influenciada pela cultura da sociedade em que o fenômeno se manifesta.

Em diversos momentos históricos, houve um investimento nessa população. Platão, por exemplo, procurava jovens com inteligência elevada e os educava com o objetivo de torná-los líderes de Estado (ALENCAR, 1986; ALMEIDA; CAPELLINI, 2005).

Essa preocupação perdura até os dias de hoje, sendo ressaltada a necessidade de se investir, pois eles poderão trazer melhoria para a vida de todas as pessoas tornando o mundo melhor (RENZULLI, 2021). E essa “é a grande tarefa da Educação” (GUENTHER, 2003, p. 31). A importância dada ao sujeito com Altas Habilidades/Superdotação depende da cultura de cada sociedade, ou seja, um indivíduo só é reconhecido em seu potencial se apresenta habilidades em áreas valorizadas socialmente.

Se a sociedade ignora essa parcela da população, perde “líderes criativos nas ciências, nas artes, na política, possivelmente recebendo em seu lugar indivíduos frustrados e por vezes desistentes da escola, da comunidade, da atividade pública, enfim, da vida em si.” (LANDAU, 2002, p. 27).



1.4 Conceitos e Características Gerais das Altas Habilidades/Superdotação

Fleith (2007) aponta algumas crenças que envolvem pessoas com altas habilidades/superdotação, tais como: acredita-se que elas têm recursos próprios para crescerem sozinhas; que essa identificação deve ser mantida em segredo para a família; que a criança irá apresentar um bom desempenho escolar em todas as áreas do conhecimento; que, necessariamente, o indivíduo com altas habilidades/superdotação apresenta algum tipo de distúrbio ou disfunção e que é imune a qualquer problema emocional.

Assista ao vídeo Superdotados são bons em tudo?, elaborado pela equipe da Inclui Consultoria, com o propósito de desmistificar a temática das altas habilidades/superdotação. Ao assistir, observe que os superdotados não precisam ser bons em tudo e que este é um mito que dificulta a correta identificação desses estudantes.



Essas crenças, oriundas da falta de informação a respeito do tema, impossibilitam o acesso do indivíduo a todas as possibilidades de crescimento e desenvolvimento saudáveis, dentro e fora da escola. É preciso romper os mitos que cercam esse tema e avançar na construção de uma escola que proporcione desafio e estimule esse estudante a aprender sempre mais.

Para isso, a formação de educadores é fundamental, e não só de educadores especializados, que possam realizar o Atendimento Educacional Especializado no contraturno, mas também do educador de classe comum, que precisa refletir sobre suas práticas cotidianas e compreender que seu papel é importante na formação desse estudante cidadão.

Quando pensamos em uma educação inclusiva, devemos ter em mente que a escola como um todo é responsável por essa construção e que o trabalho colaborativo é essencial nesse processo, portanto, o educador não pode ser o único responsável por esse estudante, afinal, toda a escola deve participar ativamente das discussões em prol de uma escola acolhedora e inclusiva.

De modo geral, considera-se o indivíduo com altas habilidades/superdotação como aquele que apresenta um desempenho acima da média, em determinadas áreas do conhecimento (acadêmico, artístico ou psicomotor), e que necessita de um atendimento educacional especializado, com ênfase na suplementação curricular, visando ao desenvolvimento de suas potencialidades.

Estima-se que, cerca de 3% a 5% da população geral, apresenta altas habilidades/superdotação (ARANTES-BRERO, 2019). Isto nos leva a crer que teríamos, pelo menos, seis milhões e trezentos mil habitantes em nosso país com tal condição. Onde eles estão?

Uma característica dessa população é a assincronia, que pode ser descrita como um desenvolvimento psicomotor, intelectual, afetivo e cronológico não linear, trazendo ao indivíduo uma intensa sensação de descompasso na sua relação com o mundo (OUROFINO; GUIMARÃES, 2007). Esses indivíduos demonstram um desenvolvimento intelectual bastante avançado, enquanto o emocional transcorre dentro da normalidade para a idade ou, em alguns casos, fica aquém do esperado. Pode ocorrer uma “disparidade entre seu desenvolvimento cognitivo e a maturidade física ou emocional” (FLEITH; ALENCAR, 2007, p. 45).

Uma criança com organização cognitiva bastante avançada pode apresentar também um alto nível de sensibilidade emocional, tendo em vista que ela pode ter áreas mais desenvolvidas que outras. Essa sensibilidade costuma variar enormemente – assim, em determinado momento, ela pode demonstrar um grande avanço emocional, e em outros momentos, grande imaturidade. (VIRGOLIM, 2003, p. 17).

Os indivíduos com altas habilidades/superdotação apresentam um desenvolvimento emocional aguçado, levando-os a uma percepção mais ampla dos acontecimentos da vida. Essa sensibilidade pode ultrapassar sua capacidade de absorver, processar e nomear o que é sentido. Isto não significa que todos os indivíduos sejam emocionalmente desajustados, só assinala a importância da oferta de espaços adequados para que eles possam elaborar suas vivências e emoções.

Uma questão relevante é a diferença de gênero, no que tange à expressão dos talentos. Nota-se que os meninos são muito mais indicados e reconhecidos do que as meninas. Tal fato é influenciado pela cultura em que vivemos, na qual meninas são criadas para se adaptarem com mais facilidade ao contexto em que estão inseridas, aceitando melhor as limitações impostas pelo ambiente, enquanto os meninos podem desenvolver comportamentos inadequados quando não atendidos, expressando, assim, sua insatisfação.

As meninas com altas habilidades/ superdotação são menos aceitas que suas colegas e podem ser percebidas como arrogantes e egocêntricas. Já, os meninos são mais queridos e considerados criativos, divertidos e espertos, sendo, portanto, mais aceitos, identificados e atendidos em suas necessidades (LANDAU, 2002).

Dessa forma, é muito importante que os educadores também fiquem atentos às meninas esforçadas, dedicadas, estudiosas, pois podem se tratar de superdotadas.

Assista ao vídeo Meninos são mais inteligentes?, elaborado pela equipe da Inclui Consultoria, com o propósito de desmistificar a temática das altas habilidades/superdotação. Ao assistir, observe que na população de superdotados não existem diferenças em relação a meninos e meninas no que concerne à inteligência. Reflita sobre os motivos que nos levam a identificar mais os meninos como superdotados.




1.5 Estudos Pioneiros Sobre o TEA

O Transtorno do Espectro Autista vem sendo bastante estudado nos últimos anos, no entanto, suas causas ainda permanecem desconhecidas, sendo que alguns estudos atribuem sua causa a fatores orgânicos, alterações neurológicas ou a questões de construção do vínculo com os pais.

Seu quadro nosográfico, descrito por Leo Kanner, psiquiatra austríaco naturalizado americano, pretendia englobar aquelas crianças inteligentes, que possuíam boa capacidade para memorização, mas eram incapazes de estabelecer contatos afetivos e de se comunicar claramente, apresentando problemas de significado na linguagem e ecolalia, não se encaixando em nenhuma das classificações existentes na psiquiatria infantil. (CAVALCANTI; ROCHA, 2007; ARANTES-BRERO, 2020).

Hoje, é possível compreender que, em cerca de 70% dos autistas, há a associação com deficiência intelectual. Deste modo, vale ressaltar que essas pessoas apresentam uma limitação nas relações sociais, bem como uma dificuldade de comunicação e linguagem, sendo que, em alguns casos, os autistas são tidos como não verbais, sendo necessário o uso de comunicação alternativa ou outro recurso que favoreça sua expressão.

Pessoas com TEA podem apresentar comportamentos estereotipados, além de interesses incomuns e inflexibilidade em relação às atividades cotidianas, demandando a organização de uma rotina mais rígida e previsível (ARANTES-BRERO, 2020). Todos esses aspectos podem interferir, profundamente, em seu desenvolvimento emocional e cognitivo.

Nesta aula, vamos dar um destaque especial para os estudantes que, no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 4ª edição (DSM IV), eram denominados com síndrome de Asperger e hoje são reconhecidos como autistas de alto funcionamento, de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª edição (DSM V), pois, em alguns casos, esses indivíduos podem apresentar “inteligência frequentemente extraordinária em campos restritos” (RIVIÈRE, 2004, p. 239). Sendo assim, se aproximariam das pessoas com altas habilidades/superdotação, sendo necessária uma distinção.

A síndrome de Asperger foi descrita por Hans Asperger, sendo “caracterizada por problemas com as habilidades sociais e comportamentos ou interesses restritos e incomuns” (SMITH, 2008, p. 360). Esses estudantes podem apresentar um alto funcionamento em determinadas áreas do conhecimento, mas não conseguem dar significado a ele por terem sérias dificuldades de relacionamento e de interpretação. Costumam entender a linguagem de forma literal, não compreendendo piadas, intenções implícitas no comportamento não-verbal, sentimentos e estados mentais de outras pessoas (ARANTES-BRERO, 2020).

Leia o artigo “Autismo: as descobertas recentes que ajudam a derrubar mitos sobre o transtorno” para ampliar os conhecimentos sobre pesquisas recentes acerca do TEA.




1.6 Fatores Genéticos e Incidência do TEA

As pessoas com Transtorno do Espectro Autista apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo.

Almeida et al (2018) apontam uma prevalência de quatro meninos para cada menina, sendo mais comum o diagnóstico deste transtorno em meninos.

Outro aspecto já mencionado, mas que merece destaque é que aproximadamente 60% a 70% das pessoas com TEA apresentam deficiência intelectual associada (ALMEIDA ET AL, 2018). Além disso, 20% a 30% dos autistas nunca falam (intervenção precoce muito importante), ou seja, são não verbais e precisam receber apoio para o desenvolvimento da comunicação alternativa (tema que será abordado em uma próxima aula).

A literatura ainda aponta divergências no que tange às causas do autismo, que permanecem desconhecidas, sendo atribuídas a fatores genéticos e ambientais.

O fato é que o TEA é passível de diagnóstico em torno dos 18 meses de idade (Associação Americana de Psiquiatria, APA, 2002), sendo que, não há cura conhecida, mas quanto antes houver o diagnóstico, melhor será o prognóstico, pois é fundamental iniciar as intervenções de modo precoce para favorecer ao máximo o desenvolvimento da criança. Com o diagnóstico precoce, pode haver redução de sinais e sintomas por meio da intervenção.

Desde cedo, as características da criança com TEA exercem impacto no cotidiano das famílias e nas relações entre seus membros (ZWAIGENBAUM et al, 2009), sendo que algumas delas precisam ser olhadas com atenção, tais como:

  • Recusa do bebê por interações e pelo toque.
  • Sem contato olho no olho.
  • Não responde ao chamado de voz.
  • Preferência por ficar sozinho a ser carregado no colo.
  • Choro excessivo.

Leia o artigo “Transtornos do espectro autista: um guia atualizado para aconselhamento genético” , publicado pelas autoras Karina Griesi-Oliveira e Andréa Laurato Sertié, em 2017.

Faça o download da Cartilha “Autismo e Realidade” , com ilustrações de Ziraldo, foi produzida com o intuito de auxiliar pais, professores e profissionais de saúde a identificar sinais do Transtorno do Espectro Autista.



Mãos Talentosas - este filme, de 2009, conta a história real do Dr Benjamin Carson, um famoso neurocirurgião, que ganhou fama após uma bem sucedida cirurgia de separação de gêmeos siameses. O filme retrata sua infância pobre, cercada de preconceito e baixo desempenho escolar e o esforço de sua mãe para oferecer um ambiente estimulador auxiliando seus filhos a expandirem sua imaginação, cultura, inteligência e crença em si mesmos.

O Jogo da Imitação – um filme de 2014, que narra a estória de Alan Turing, um matemático de 27 anos com características de TEA, que, apesar de brilhante e focado no trabalho, tem dificuldade em se relacionar com as pessoas à sua volta. Para liderar sua equipe, ele conta com o apoio de Joan Clarke. Ela auxilia na mediação dos conflitos e no manejo comportamental para que ele possa desenvolver seu grande projeto de construção de uma máquina que analise as possibilidades de codificação de Enigmas em apenas 18 horas, auxiliando os ingleses durante a Segunda Guerra Mundial.