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Em aulas anteriores, já foram apresentados alguns dos desafios contemporâneos para o educador de uma instituição católica salesiana; a vivência educativa de Dom Bosco e de Madre Mazzarello como exemplos de uma proposta educativa e pastoral diferenciada; as bases do Sistema Preventivo e suas expressões práticas; terminando, na última aula, pela espiritualidade salesiana. Agora, a proposta é apresentar a trajetória de jovens que, em sua breve vida, contribuíram de maneira decisiva para a conformação da proposta educativa e pastoral salesiana. Antes de iniciar a aula propriamente, entretanto, é necessário estabelecer alguns parâmetros.
7.1 Introdução
Primeiramente, cabe deixar claro que, assim como as histórias de vida de Dom Bosco e de Madre Mazzarello, também no caso desses jovens, é necessário considerar a época em que viveram e os valores predominantes na sociedade do período. Os motivos que levaram suas vidas a serem consideradas exemplares para outros jovens naquela época não necessariamente são os mesmos que interessam aos jovens de hoje. Porém, em todas as biografias, há elementos que são atuais e que nos ajudam a compreender com maior profundidade os diferenciais da educação salesiana.
O segundo parâmetro é que, embora alguns desses jovens façam parte do elenco de santidade salesiana, como São Domingos Sávio e a Beata Laura Vicuña, esse não é o tema principal desta aula. As virtudes desses jovens serão ressaltadas, mas o foco da aula é refletir sobre como eles contribuíram para edificar a obra salesiana.
Nesse sentido, é importante compreender que esses jovens tiveram um papel preponderante: é para responder aos anseios e necessidades de jovens como eles que Dom Bosco elabora o sistema preventivo, põe em funcionamento o Oratório, forma a Família Salesiana.

Em si, esse já é um ensinamento para os educadores atuais: olhar de verdade para o aluno da escola, da obra social ou da faculdade. Enxergar quais são seus questionamentos, suas dúvidas e dificuldades, mas também suas propostas, seus sonhos, seus desejos. Ver a criança, o adolescente ou o jovem como alguém que colabora na construção do conhecimento. Dom Bosco acreditou profundamente que os jovens podiam ser protagonistas na transformação de suas vidas e da sociedade em que viviam, isso em um tempo no qual a palavra “protagonista” não era usada no campo da pedagogia, muito menos da religião.
A personalidade da criança e do adolescente é formada a partir de referenciais, como já abordado em aula anterior, que tratou da pedagogia da presença. Para isso, é importante resgatar as trajetórias de vida de pessoas significativas, que possam ser referência de comportamento, de valores ou de postura diante da vida. Quando escreveu as biografias de três dos jovens sobre os quais falaremos a seguir, Dom Bosco tinha exatamente essa intenção: mostrar esses jovens como exemplos a serem seguidos pelos demais alunos do Oratório de Valdocco.
Dom Bosco escreveu as biografias de três de seus alunos: Domingos Sávio, Miguel Magone e Francisco Besucco. Com temperamentos e trajetórias muito diferentes, cada um à sua maneira alcançou um crescimento pessoal e se tornou exemplo para os colegas. Também é o próprio Dom Bosco quem cita Bartolomeu Garelli como aquele que o fez iniciar o oratório salesiano.
7.2 Bartolomeu Garelli e o primeiro oratório salesiano
Recém-ordenado sacerdote, Dom Bosco via em Turim, na Itália, jovens abandonados à própria sorte, sem ninguém que cuidasse deles ou que os defendesse. Eram meninos que viviam perambulando pelas ruas, bebendo e jogando. Outros eram encarcerados, muitas vezes por praticarem pequenos furtos. Havia os que eram explorados pelas fábricas, realizando trabalhos insalubres, mal remunerados e sem garantia de direitos. Dom Bosco olhava para eles e via a necessidade de fazer algo, de ajudá-los. Mas como? A resposta veio em um encontro inusitado, conforme relatado nas Memórias do Oratório de São Francisco de Sales.
Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por falta de local. Um feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar a concretização do projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo dos que deixavam as prisões (BOSCO, João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, p. 122).
No dia 8 de dezembro de 1841, dia de Nossa Senhora da Conceição, Dom Bosco se preparava para celebrar a missa. O sacristão, vendo um garoto no canto da sacristia, pediu que ele ajudasse na missa. O menino, porém, respondeu que não sabia como, nunca tinha participado de uma celebração antes. O sacristão enxotou o rapaz a golpes de espanador. Dom Bosco o repreendeu por bater no menino, disse que era um amigo seu e pediu que o chamasse de volta. O jovem assistiu a missa e, depois, conversou com o sacerdote.
O diálogo transcrito nas Memórias do Oratório é de uma simplicidade comovente. Dom Bosco e o garoto Bartolomeu Garelli trocam poucas palavras, mas suficientes para que o padre perceba o quanto aquele órfão necessitava de sua ajuda. “Não sei nada”, diz Garelli com convicção, ao que Dom Bosco retruca: “Sabes assobiar?”. O jovem sorri, é conquistado por aquele padre que lhe estende a mão e faz uma proposta simples: aulas de catecismo em separado, para que ele não se sinta envergonhado diante de garotos mais jovens.
Bartolomeu Garelli começa a frequentar a igreja aos domingos e traz amigos, jovens desassistidos como ele, para a catequese e as brincadeiras realizadas em ambiente alegre e familiar. Logo eles chegam a dez, depois 20; em dois meses, passam de 30!
Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure arranjar-lhes emprego com bons patrões e visita-los de quando em quando ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o passado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Essa é a origem do nosso Oratório que, abençoado por Deus, teve um desenvolvimento que então eu não podia imaginar (BOSCO, João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, p. 125).
O Oratório, conforme estudou na Aula 2, tornou-se uma obra tipicamente salesiana, que condensa os ideais do Sistema Preventivo. Dom Bosco pegou o conceito de São Felipe Neri, que três séculos antes fizera a experiência do Oratório como uma prática de recreação nas paróquias, após a oração. Mas deu ao Oratório um novo significado:
Todavia, Dom Bosco sendo profundo conhecedor da realidade de milhares de jovens pobres, imigrantes, sem paróquias, viciados, sem famílias, sem formação religiosa, abandonados e que vagavam pelas ruas de Turim (Itália), iniciou uma proposta de oratório completamente nova para eles: uma experiência aberta a todos, sem fronteira religiosa, com diversidade de propostas educativas; aos poucos, passando por dias festivos e domingos, chegou ao tempo integral, cotidianamente. Surgia, então, uma nova Pastoral Juvenil, uma nova forma de evangelizar e educar os jovens, a partir do lazer (Ribeiro, Antonio. “A importância do oratório salesiano”)
Bartolomeu Garelli fala aos educadores e aos religiosos de hoje como falou com Dom Bosco em sua época. Ele chama cada um a fazer o melhor, pois o que parece pouco pode ser fundamental para a vida de muitos. Um exemplo de como o Oratório é algo vivo na atualidade deu-se em janeiro de 2016, quando o Reitor-mor dos Salesianos celebrou o dia litúrgico de Dom Bosco pela primeira vez fora da Itália.
Serra Leoa, um novo Valdocco
Em sua vídeo-mensagem para a Família Salesiana, por ocasião da festa de São João Bosco, o Reitor-mor dos salesianos, Padre Ángel Fernández Artime, explicou por que, pela primeira vez na história da Congregação, celebraria o 31 de janeiro longe da Itália. “Quando puderem ver esta mensagem, não estarei em Turim, em Valdocco. Estarei lembrando e rezando por vocês em Serra Leoa, na África”, destacou ele, dirigindo-se, especialmente, aos jovens. Por que Serra Leoa? “Porque aqui estão 15 dos meus irmãos salesianos que em um determinado momento disseram: ‘Nós ficamos com estes jovens’, com estes meninos que perderam seu pai e sua mãe por causa do ebola. Como um presente de Deus e uma graça de Dom Bosco, pudemos, rapidamente, preparar duas casas-lares para todos eles. São quase 200. E disse a mim mesmo: é o momento de ir a outro Valdocco”.
O primeiro Valdocco é o de Turim, onde teve origem a Família Salesiana e onde Dom Bosco viveu e se dedicou aos jovens de seu tempo. Mais que um lugar físico, considera Padre Ángel, Valdocco, simboliza uma escolha de dedicação integral aos jovens, especialmente os mais carentes. Hoje, essa escolha se renova em cada obra salesiana. E a ação solidária aos “órfãos do ebola” em Serra Leoa é um símbolo desse carisma.
(Boletim Salesiano – março 2016, p. 16 e 17)
Pausa para o vídeo...
Mesmo longe de Turim, o Reitor-mor fez questão de divulgar essa vídeo-mensagem, traduzida em 21 idiomas, para fortalecer a comunhão com toda a Família Salesiana. A mensagem pode ser assistida no ANSChannel (YouTube).
7.3 Domingos Sávio: santidade na alegria
Domingos Sávio nasceu em 2 de abril de 1842, na província de Turim, na Itália. Nas biografias escritas sobre ele, é sempre ressaltada a grande maturidade humana e cristã que apresentava desde criança. Com 7 anos, fez a Primeira Comunhão e traçou em um caderninho um projeto de vida, no qual constava confessar-se frequentemente e fazer a comunhão sempre que o confessor lhe permitisse.
Sávio conheceu Dom Bosco quando tinha 12 anos e pediu-lhe para ser admitido no Oratório de Turim. Queria estudar para ser padre. Já no Oratório, tomou a santidade como um objetivo de vida. De acordo com a realidade de seu tempo, Domingos Sávio considerava que, para ser santo, era necessário jejuar e fazer duras penitências. Por sua saúde frágil, entretanto, foi terminantemente proibido de realizar essas práticas, tanto por Dom Bosco, como por outros educadores e religiosos.
Esse é um dos aspectos que gostaríamos de destacar neste curso: questionado por Domingos Sávio sobre o que fazer para tornar-se santo, já que as penitências lhe eram proibidas, Dom Bosco mostra ao jovem que a santidade não vem do sofrimento. Ao contrário, a santidade está em cumprir com alegria os seus deveres, dos cotidianos aos grandiosos. É Dom Bosco quem narra o episódio:
– Quero dizer que sinto desejo e necessidade de tornar-me santo. Não pensava que fosse tão fácil. Agora sei que posso ser santo estando alegre, quero-o absolutamente e sinto mesmo absoluta necessidade de me tornar santo. Diga-me, portanto, como devo proceder para começar tal desafio.
Louvei o seu propósito, mas exortei-o a que não se inquietasse, porque no meio da agitação interior não se conhece a voz do Senhor; que, pelo contrário, eu queria em primeiro lugar uma constante e moderada alegria: e aconselhando-o a ser perseverante no cumprimento dos seus deveres de piedade e de estudo, recomendei-lhe que não deixasse de participar sempre no recreio com os seus companheiros (BOSCO, João. Vidas de Jovens, p. 64).
O próprio Sávio, após algum tempo, compreendeu o que isso significava e recomendava aos colegas novos que chegavam ao Oratório: “Saiba que aqui, nós fazemos consistir a santidade em estar muito alegres”. Procuramos “somente evitar o pecado, como um grande inimigo que nos rouba a graça de Deus e a paz do coração e impede de realizar os nossos deveres com exatidão”. Em palavras de hoje: a santidade está em assumir suas responsabilidades, sem deixar que elas se tornem um fardo pesado para a vida, e em agir sempre de acordo com o que considera certo e bom, seja no campo pessoal, no espiritual ou no social.
Domingos Sávio morreu em Mondonio, em 9 de março de 1857, antes de completar 15 anos. Dom Bosco escreveu sua biografia – publicada no Brasil como parte do livro Vidas de jovens. Foi canonizado em 12 de junho de 1954, sendo o primeiro adolescente não mártir a ser considerado santo. Ele tornou-se um modelo para outros jovens nas casas salesianas, tanto na sua época como depois.
Aos educadores de hoje, uma das lições que se pode tirar da vida de São Domingos Sávio é a confiança na juventude. O jovem pode seguir o bom caminho, ser correto, ser ético e praticar o bem, sem deixar de lado aquilo que caracteriza a própria juventude: a alegria, o entusiasmo, o otimismo. No comentário à Estreia de 2004, que teve como tema a santidade juvenil, o então reitor-mor dos salesianos, padre Pascual Chávez Villanueva, afirma:
O cinquentenário da canonização de Domingos Sávio, o primeiro adolescente santo não mártir, ocorre justamente um ano depois do jubileu da conquista do monte Evereste. Gostaria, pois, de servir-me desta estranha coincidência para introduzir e iluminar a estreia para o ano de 2004, que deseja colher a graça deste jubileu para dirigir a toda a Família Salesiana um convite a relançar a proposta da santidade juvenil, a indicar aos jovens atitudes elevadas para alcançar.
Trata-se de acreditar nos jovens que, desde a adolescência, são capazes de fazer escolhas corajosas de vida, como aquela de Domingos Sávio, de Laura Vicuña e de uma plêiade de jovens que caminharam na sua esteira, procurando, como os escaladores do Evereste, novos caminhos (CHAVEZ, Pascual, “Estreia 2004).
No mesmo documento e tomando a trajetória de Domingos Sávio como modelo, padre Pascual Chávez considera que essa reflexão sobre a santidade juvenil é importante nos dias atuais, porque nem sempre nós, educadores, somos capazes de avaliar a potencialidade dos meninos, adolescentes e jovens que temos à nossa frente.
E pode acontecer que as esperanças que exprimimos, a confiança que somos capazes de cultivar, as propostas que fazemos, estejam muito aquém das suas capacidades e disponibilidades. Propor o máximo hoje não é comum. Antes, com frequência, apresentam-se como valores uma vida sem ideais, um mundo à nossa medida, o efêmero, o individualismo, o hedonismo, o relativismo, ou a bricolagem (CHAVEZ, Pascual, “Estreia 2004).
Ele propõe então aos educadores salesianos retomar o programa apresentado por Dom Bosco a Domingos Sávio, traduzindo para a realidade de hoje a proposta de santidade juvenil “para formar verdadeiramente rapazes e moças que sejam 'luz do mundo e sal da terra', 'honestos cidadãos e bons cristãos'”. São três os aspectos retomados pelo Padre Chávez:
- Assumir a vida como dom, desenvolver com gratidão os seus melhores aspectos e vivê-la com alegria;
- 'Ser perseverante no cumprimento dos deveres de piedade e de estudo': é a experiência de Deus e da sua presença providente, a amizade com Jesus e a vida que se vai conformando com ela;
- Abrir-se à dimensão social, ao serviço, à solidariedade, à caridade, e assumir um projeto de vida.
7.4 Miguel Magoni e Francisco Besucco – educação transformadora
Outro aluno sobre quem Dom Bosco escreveu foi o jovem Miguel Magone. Ele nasceu em 19 de setembro de 1845. Órfão de pai, desde cedo trabalhava para ajudar no sustento da família. Aos 13 anos, um encontro com Dom Bosco mudou a sua vida. Vale ler o relato feito pelo santo, que consegue descrever a cena e a impressão que o menino lhe causou.
Num fim de tarde de outono, regressava eu de Sommariva del Bosco, e na estação de Carmagnola tive de esperar mais de uma hora pelo comboio de Turim. O relógio dava sete horas, o tempo estava enevoado, uma densa nuvem desfazia-se em chuva miudinha. Isso ajudava a tornar a escuridão tão densa, que à distância de um passo já não se conseguiria ver alma viva. A fosca luz da estação lançava um pálido clarão que a pouca distância do cais se perdia na escuridão. Só uma turba de garotos com brincadeiras e gritaria prendia a atenção, ou melhor, ensurdecia os ouvidos dos expetadores. Os gritos de espera, apanha-o, corre, apanha este, para aquele despertavam a atenção dos passageiros. Mas, no meio daquela gritaria, sobressaía uma voz clara que dominava todas as outras; era como a voz de um capitão, que os companheiros repetiam e todos seguiam qual rigoroso comando. Depressa nasceu em mim o vivo desejo de conhecer aquele que, com tanta ousadia e tanta prontidão, sabia regular a brincadeira no meio de tal gritaria (BOSCO, João. Vidas de Jovens, p. 123).
Dom Bosco identificou imediatamente em Miguel Magone uma liderança natural. Ele percebeu potencialidades e qualidades positivas onde outros poderiam ver somente a marginalidade, a pobreza e o abandono. Por isso, convidou Miguel a “deixar esta vida de garoto da rua e começar a aprender alguma arte ou ofício, ou então continuar a estudar”. Magone não perdeu a chance que lhe foi oferecida e seguiu para Turim, para ingressar no Oratório de São Francisco Sales. Inicialmente, teve dificuldades para se adaptar a uma rotina de estudos e tarefas.
Mas um bom momento para o ver era quando a sineta indicava o fim de algum dever a que se seguia o recreio. Parecia sair da boca de um canhão; voava em todos os cantos do pátio; qualquer jogo em que entrasse a destreza corporal era a sua delícia. O jogo a que damos o nome de barrarotta era o seu predileto e era muito célebre nele. Misturando assim o recreio com os outros deveres escolares, achava bastante agradável o novo teor de vida (BOSCO, João. Vidas de Jovens, p. 123).
Com o passar do tempo, Dom Bosco percebeu que Magone estava triste, não participava mais dos jogos como antes, embora cada vez mais se dedicasse aos estudos. O santo reproduz o seguinte diálogo entre Miguel e um colega:
– Esta tristeza provém de ver os meus companheiros a tomar parte nas práticas de piedade. Vê-los alegres, rezar, abeirar-se da confissão, da comunhão provoca-me contínua tristeza.
– Não compreendo como é que a devoção dos outros pode ser causa de tristeza para ti.
– A razão é fácil de compreender: os meus companheiros que já são bons praticam a religião e tornam-se ainda melhores; e eu que sou um patife não posso tomar parte nelas, e isso me provoca grave remorso e grande inquietação.
– Oh és uma criança! Se a felicidade dos colegas te dá inveja, que te impede de seguir o exemplo deles? Se sentes remorsos na consciência, não podes porventura tirá-los?
– Tirá-los… tirá-los… é fácil de dizer! Mas, se estivesses no meu lugar, dirias também que… – dito isso, abanando a cabeça em sinal de raiva e de comoção, fugiu para a sacristia (BOSCO, João. Vidas de Jovens, p. 129-130).
Ao longo da biografia, Dom Bosco mostra como Magone percorre um caminho de crescimento pessoal e espiritual e encontra sentido em sua vida. A base de toda essa transformação está na autoestima: no Oratório, a partir do incentivo dos educadores e dos colegas, ele percebe que é capaz de mudar a própria vida. O “destino” que parecia já traçado para aquele garoto em situação de rua, de ir cada dia mais para a margem da sociedade, muda radicalmente de direção.
Miguel Magone faleceu no dia 21 de janeiro de 1859, aos 15 anos, vitimado por uma doença pulmonar. Apesar da pouca idade, é um exemplo de superação e esforço.
Pausa para o vídeo...
O vídeo a seguir, produzido com imagens e texto em espanhol, conta a vida de Miguel Magone. Assista e reflita sobre ele.
Assim como Miguel Magone tomou Domingos Sávio como modelo, Francisco Besucco teve em Magone sua inspiração. Nascido na fronteira entre Itália e França em 1850, Besucco ingressou no Oratório de São Francisco Sales em 1863, e destacou-se por sua veemência em agradar a Deus. Faleceu aos 14 anos, no dia 9 de maio de 1864.
Toda a descrição de sua vida feita por Dom Bosco, sempre utilizando os diálogos e a narração de acontecimentos cotidianos, é a de um menino extremamente dedicado às orações e à religião, aos estudos, a fazer o bem aos colegas, a ser exemplo de virtude e bondade. A um primeiro olhar, parece até estranho que ele tenha tomado justamente o irrequieto e explosivo Magone como exemplo.
Sem entrar nos detalhes de sua biografia, um dos aspectos dessa narração sobre a vida de Francisco Besucco que pode ser ressaltado é como Dom Bosco encarava a influência dos jovens sobre outros da mesma idade. É muito comum atualmente que os pais temam a má influência de um amigo de seu filho ou sua filha; também é corriqueiro que o educador pense no grupo mais arredio da turma como capaz de “contaminar” todos os alunos. Nas grandes cidades, há jovens que aparentemente levam uma vida melhor e mais feliz, porém, envolvida com drogas, roubos e violência, e que buscam levar outros jovens para o mesmo caminho.
Para Dom Bosco e a proposta educativa salesiana, mais importante que o mau exemplo é a influência do bem sobre o mal. Ou seja: os jovens que fazem o bem, que estão imbuídos de valores humanos e cristãos, que têm um comportamento ético e solidário são as melhores pessoas para influenciar outros jovens. Para que isso aconteça, entretanto, é preciso confiar nos jovens. Abrir espaço para suas propostas e ideias; incentivar suas iniciativas; divulgar o que é feito de bom pelas novas gerações – incluindo, claro, os educandos das obras e escolas salesianas.
São inúmeras as iniciativas praticadas por alunos salesianos, em todo o mundo, em favor de outros jovens. Ações aparentemente simples, mas que demonstram como a proposta educativa salesiana foi compreendida a fundo pelos jovens e pelos educadores que incentivaram essas iniciativas. A seguir, damos dois exemplos apenas, um vindo dos Estados Unidos e outro aqui do Brasil.
Bicicletas são doadas para os alunos do “Don Bosco Children Fund”
Joseph Sinnott, aluno de um colégio salesiano nos Estados Unidos, idealizou um projeto para a coleta e conserto de bicicletas em favor de alguns alunos salesianos no Camboja. No fim de 2015, graças a esse projeto, foram distribuídas 39 bicicletas a alunos acompanhados pela organização salesiana cambojana Don Bosco Children Fund (DBCF), que ajuda crianças e jovens, entre 6 e 15 anos.
Graças à iniciativa, foram selecionados alunos de quatro escolas salesianas nas províncias cambojanas de Kep, Kampot e Takeo: voluntários que colaboram com os Salesianos visitaram as escolas para determinar quais crianças mais precisavam dessa oportunidade de locomoção e, por isso, receberam as bicicletas. Muitas crianças, de fato, vivem em zonas distantes da escola e devem percorrer longas distâncias para frequentar um centro educativo.
“Num país em que menos da metade das crianças termina a escola elementar, o DBCF, a partir do seu início, em 1992, tem ajudado mais de 50.000 alunos a completarem a instrução elementar”, explica o padre Mark Hyde, responsável pela Procuradoria Missionária Salesiana de New Rochelle (NY-EUA). “Esta doação é um grande exemplo oferecido por um estudante salesiano dos Estados Unidos. Joseph pode beneficiar-se da instrução/educação. Desejou restituir o favor recebido, ajudando crianças do outro lado do mundo a estudar”, completou o salesiano.
Fonte: Info ANS
Para gostar de ler
Diego Gavazzi – Instituto São José
Não há limites para os benefícios da leitura: ela enriquece o vocabulário, exercita a mente, aprimora a memória, estimula o raciocínio, diminui o stress, melhora a escrita, entre outros. No caso da pequena Gabriela Eyng, de 7 anos, aluna do 2º ano do ensino fundamental do Instituto São José, em Resende, RJ, despertou ainda o espírito de solidariedade. E de uma maneira criativa e surpreendente.
Tudo começou quando um casal de amigos visitou a casa dela. Dois irmãos gêmeos de cinco anos que estudam em uma pré-escola pública do bairro São Caetano. No intervalo entre uma brincadeira e outra, eles se impressionaram com o cantinho de leitura da Gabriela, que tem aproximadamente 100 livros, e contaram à amiga que na escola deles não existe biblioteca. “Eu fiquei muito triste e tive uma ideia”, disse Gabriela. [...] montar uma banca em frente ao Salesiano para vender esses livros adultos e, com o dinheiro arrecadado, comprar títulos infantis para a nova biblioteca. “Fiquei ao mesmo tempo surpresa e orgulhosa com essa atitude, pois mostrava que ela queria ajudar não só os dois coleguinhas, mas todas as crianças daquela escola, para que eles pudessem, como ela, também ter acesso a esse lindo universo da leitura”, disse a mãe.
A própria Gabriela bateu na porta do diretor executivo do Salesiano, professor Roberto Barbosa de Oliveira, para explicar a ideia. Depois, os pais também visitaram o diretor para conversar sobre a iniciativa. “Aprovei na hora, e já começamos a combinar como colocaríamos em prática o desejo da Gabriela. Fiquei muito feliz com esse comportamento dela, que acredito ser fruto de uma boa educação em família, com o apoio da equipe educativa da escola”, afirmou Roberto [...].
(Boletim Salesiano – agosto de 2016)
7.5 Laura Vicuña e a proteção às crianças vítimas de violência
Laura Carmen Vicuña nasceu em Santiago do Chile em 1891. A família aristocrata perdeu toda riqueza e teve que ir para o exílio por causa de conflitos políticos no país. O pai, José Domingos, morreu repentinamente e a mãe, Mercedes, foi para a Argentina levando as duas filhas, Laura e Giulia. Em Junín de los Andes, conheceu o estancieiro Manuel Mora, e aceitou morar com ele para poder sustentar a família.
Em 1900, Laura ingressou no colégio das Filhas de Maria Auxiliadora e se destacou como aluna inteligente, caridosa, solidária e alegre. Em geral, as biografias escritas sobre a Beata Laura Vicuña ressaltam que ela, ao perceber que Mercedes vivia em pecado, sem ser casada oficialmente com Manuel Mora, ofereceu sua vida pela salvação da mãe. Faleceu na noite de 22 de janeiro de 1904, aos 12 anos, com a promessa de Mercedes de que deixaria o estancieiro.
O que gostaríamos de destacar, entretanto, é outro aspecto da vida de Laura Vicuña, que traz elementos importantes para a educação salesiana na atualidade. Por duas vezes, Manuel Mora tentou violentar Laura. A menina resistiu, enfrentou o agressor e este, enfurecido pela recusa, agrediu-a fisicamente, a ponto de agravar seu já delicado estado de saúde. Laura Vicuña, portanto, foi uma vítima da violência intrafamiliar e, especialmente, da violência contra a mulher. Ao conseguir que a mãe deixasse o agressor, Laura permitiu que Mercedes resgatasse a autoestima e protegeu a irmã.
Esse foi um dos temas tratados por parlamentares argentinos em documento que solicitou ao Papa Francisco a canonização (santificação) de Laura Vicuña e sua apresentação como padroeira dos refugiados e das mulheres que sofrem violência.
Deputados querem que Laura Vicuña seja declarada santa
Um grupo de deputados argentinos está promovendo um projeto para pedir ao Papa Francisco a canonização da bem-aventurada Laura Vicuña, propondo-a igualmente como padroeira dos refugiados e das mulheres que sofrem violência intrafamiliar. Um dos promotores da iniciativa é o deputado João Brügge, que declara ser parente da adolescente chileno-argentina, por parte da mãe.
“Laura Vicuña foi uma menina chilena cuja mãe, viúva, teve de emigrar para a Argentina: foi algo como uma refugiada política, sendo na Argentina formada pelos salesianos”, recordam os promotores. “Ela e sua mãe sofreram em nosso país violência intrafamiliar por parte de um estancieiro, e a menina ofereceu a Deus a sua vida, para que a mãe reencontrasse o caminho da salvação e deixasse o homem com quem convivia”, afirmam. “Vicuña é patrona da família; e poderia sê-lo também dos refugiados e das mulheres que sofrem violência”, prosseguem eles.
(Boletim Salesiano – fevereiro 2017 – com informações Info ANS)
Em todo o mundo, são inúmeras as obras salesianas de acolhida a meninas em situação de risco social, e muitas delas levam o nome de Laura Vicuña. Há salesianos e salesianas, tanto religiosos como leigos, envolvidos na luta contra o trabalho infantil e o tráfico de pessoas. Há também muitas iniciativas educacionais com foco na prevenção da gravidez precoce e na proteção às meninas vítimas de violência. Assim como existem ações salesianas voltadas para o empoderamento feminino, a formação de cooperativas e o resgate da autoestima de mulheres e meninas.
Seja nas obras sociais, escolas, comunidades ou instituições de ensino superior, o educador salesiano precisa estar atento, pois faz parte do carisma salesiano combater firmemente a exploração infantil e a violência contra crianças e adolescentes.
Nesta aula, as histórias de vida dos jovens Bartolomeu Garelli, Domingos Sávio, Miguel Magone, Francisco Besucco e Laura Vicuña foram utilizadas para ressaltar alguns aspectos da proposta educativa e pastoral salesiana. Em todos os exemplos, como se afirmou no início, os jovens são mais que destinatários da proposta educativa e pastoral salesiana. Eles são atuantes e decisivos na conformação dessa proposta, em seus vários aspectos. Na próxima aula, será retomado o tema do Sistema Preventivo, agora mostrando sua atualidade e aplicação prática.
Ampliando os Saberes...
O livro Vidas de Jovens apresenta as biografias de Domingos Sávio, Miguel Magone e Francisco Besucco, jovens que foram beneficiados pelo trabalho de Dom Bosco e se tornaram exemplos para as gerações seguintes. As histórias foras escritas a próprio punho por Dom Bosco, com quem eles conviveram no Oratório de São Francisco Sales, na Itália. O livro pode ser adquirido no site da Editora Dom Bosco: www.edbbrasil.org.br. ou lido online na biblioteca da Edebê Brasil.
Atividade
Afirmou-se no curso a atualidade do Sistema Preventivo como forma de responder a várias questões que desafiam hoje os educadores.
Realize uma pesquisa com, pelo menos, 10 (dez) adolescentes ou jovens da casa salesiana em que você trabalha (escola, obra social, paróquia etc.). Pergunte a eles:
a) Quais são, na opinião deles, os principais desafios/problemas enfrentados pelos jovens brasileiros atualmente.
b) De que forma os valores da educação salesiana têm contribuído para a formação e para a vida deles.
Fique à vontade para fazer outras perguntas, caso tenha interesse em ampliar a pesquisa.
Organize um texto com as respostas dos jovens entrevistados e acrescente, ao final, uma breve conclusão pessoal sobre a atualidade do sistema preventivo.